Os embaixadores representam seu país e defendem seus interesses. Com os EUA não é diferente. A diplomacia americana, no entanto, ganhou um nível excepcional de especialização. Analisando o perfil dos três últimos embaixadores no Brasil, é possível perceber o zelo e a precisão na escolha e a perfeita sintonia com a realidade brasileira e com os objetivos norte-americanos no Brasil e na região. A chegada de Liliana Ayalde para o lugar anteriormente ocupado por Thomas Shannon e sua substituição por Peter Michael McKinley revelam um trabalho cuidadoso, objetivamente direcionado para fins específicos.
Mais de uma década depois, o Fundo Monetário Internacional (FMI) dá a volta por cima na América do Sul. Os dois principais países do continente, dominados por governos conservadores, Brasil e Argentina, estendem novamente a mão para o organismo. Mauricio Macri, nove meses depois de assumir a presidência da Argentina, reconhece que suas políticas geraram 1,4 milhão de novos pobres. Macri recebeu apoio do FMI na mesma data que representantes do Fundo estiveram em Brasília, reunidos com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Elogiaram o novo governo e apresentaram sugestões para o futuro do país. O FMI retorna, mas não pode fugir de sua história: "continua tendo um passado na Argentina e em toda a América Latina que o transformou, aos olhos de milhões de latino-americanos, em um dos responsáveis pela grande crise dos anos 90”.
Juan Guaidó é o produto de um projeto de uma década supervisionado pelos assessores de elite de Washington para mudanças de governos. Apesar de se apresentar como um campeão da democracia, ele passou anos à frente de uma violenta campanha de desestabilização do chavismo.
De olho na Venezuela e no Pré-sal, Almirante Craig Faller, chefe do Comando Sul, visita o Brasil, entre os dias 10 e 13 de fevereiro deste 2019, para consolidar alianças estratégicas de interesse dos EUA.
As declarações do almirante, na última quinta-feira, 7 de fevereiro, diante do Comitê de Serviços Armados do Senado dos EUA não deixam dúvidas sobre sua ação à frente do U.S. Southern Command (SOUTHCOM). Os EUA utilizarão de todos os recursos disponíveis para fazer valer seus interesses que, supostamente, seriam os mesmos de todos os países das Américas, “sua vizinhança”.
Os principais golpistas bolivianos treinados pela Escola das Américas das Forças Armadas dos EUA serviram como adidos em programas policiais do FBI
Os comandantes das forças armadas e da polícia da Bolívia ajudaram a planejar o golpe e garantiram seu sucesso. Eles foram previamente educados para a insurreição nos notórios programas de treinamento da Escola das Américas do governo dos EUA e do FBI (SOA, do inglês, School of the Americas).
Os Estados Unidos desempenharam um papel direto e fundamental no golpe militar na Bolívia que foi mal foi reconhecido nos relatos dos eventos que obrigaram o presidente eleito do país, Evo Morales, a renunciar em 10 de novembro.
Pouco antes da renúncia de Morales, o comandante das forças armadas da Bolívia Williams Kaliman “sugeriu” que o presidente renunciasse. Um dia antes, setores da força policial do país se rebelaram.
Embora Kaliman pareça ter fingido lealdade a Morales ao longo dos anos, suas verdadeiras cores apareceram assim que a oportunidade surgiu. Ele não era apenas um ator no golpe, ele tinha sua própria história em Washington, onde serviu brevemente como adido militar da embaixada da Bolívia na capital dos EUA.
Kaliman estava no topo de uma estrutura de comando militar e policial que foi substancialmente cultivada pelos EUA por meio da WHINSEC (Western Hemisphere Institute for Security Cooperation), a escola de treinamento militar em Fort Benning, na Geórgia, conhecida no passado como Escola das Américas. O próprio Kaliman participou, em 2003, de um curso chamado “Comando e Estado Maior”.
Pelo menos seis dos principais golpistas são ex-alunos da infame Escola das Américas, enquanto Kaliman e outra figura serviram no passado como adidos militares e policiais da Bolívia em Washington.
Dentro da polícia boliviana, os principais comandantes que ajudaram a iniciar o golpe passaram pelo programa de intercâmbio policial da APALA - Adidos da Policiais da América Latina nos Estados Unidos da América. Trabalhando em Washington DC, a APALA tem o objetivo de construir relações entre autoridades dos EUA e policiais de estados latino-americanos. Apesar de sua influência, ou talvez por causa disso, o programa mantém pouca presença pública. Este investigar não conseguiu contato telefônico com ninguém do APALA.
É comum que os governos designem um pequeno número de indivíduos para trabalhar nas embaixadas de seus países no exterior como adidos militares ou policiais. O falecido Philip Agee, ex-agente da CIA que se tornou o primeiro denunciante da agência, explicou em seu livro de 1975 como a inteligência dos EUA tradicionalmente contava com o recrutamento de militares e policiais estrangeiros, incluindo adidos de embaixada, como ativos fundamentais para as mudanças de regime e operações de contrainsurgência.
Como revelaram os mais de 11.000 documentos da FOIA (Freedom of Information Act), que obtive enquanto escrevia meu livro sobre a campanha paramilitar empreendida antes da queda, em fevereiro de 2004, do governo eleito do Haiti e da repressão pós-golpe, as autoridades americanas trabalharam por anos para confraternizar e estabelecer conexões com a polícia, as forças armadas e ex-oficiais haitianos do exército. Essas conexões, bem como os esforços de recrutamento e coleta de informações, acabaram dando frutos.
Também na Bolívia, o papel de oficiais militares e policiais treinados pelos EUA foi fundamental para forçar a mudança de regime. Agências do governo dos EUA, como a USAID, financiaram abertamente grupos anti-Morales no país por muitos anos. Mas a maneira como as forças de segurança do país foram usadas como cavalo de Tróia pelos serviços de inteligência dos EUA é menos compreendida. Com a saída forçada de Morales, no entanto, tornou-se impossível negar o quão crítico era esse fator.
Como esta investigação estabelecerá, o plano de golpe não poderia ter sido bem-sucedido sem a aprovação entusiástica dos comandantes militares e policiais do país. E seu consentimento foi fortemente influenciado pelos EUA, onde muitos foram preparados e educados para a insurreição.
Áudio filtrado expõe graduados da Escola das Américas planejando um golpe
O áudio filtrado relatado no site de notícias boliviano La Época (e pelo elperiodicocr.com e uma variedade de mídias nacionais) revela que foi realizada uma coordenação secreta entre os atuais e ex-líderes da polícia, militares e a oposição para realizar o golpe.
As gravações mostram que o ex-prefeito de Cochabamba e ex-candidato à presidência Manfred Reyes Villa desempenhou um papel central na trama. Reyes é um ex-aluno da WHINSEC (a Escola das Américas) que atualmente reside nos Estados Unidos.
Os outros quatro que aparecem ou dão nome ao áudio filtrado são o general Remberto Siles Vasquez (áudio 12); Coronel Julio César Maldonado Leoni (áudios oito e nove); Coronel Oscar Pacello Aguirre (áudio 14) e Coronel Teobaldo Cardozo Guevara (áudio 10). Os quatro militares participaram da SOA.

Cardozo Guevara, em particular, se orgulha de suas conexões entre oficiais ativos.
As identidades dessas pessoas são confirmadas por meio da verificação cruzada dos dados das listas de alunos da Escolas das Américas com o Facebook e com os boletins de notícias locais da Bolívia, além dos áudios filtrados.
A Escola das Américas é um notório local de educação para golpistas latino-americanos, que remonta à Guerra Fria (site em inglês: The School Of The Americas Is Still Exporting Death Squads - A Escola das Américas ainda está exportando esquadrões da morte). Os graduados realizaram mudanças brutais de regime e represálias do Haiti a Honduras, e algumas das juntas militares com mais manchas de sangue na história da região foram lideradas por ex-alunos.
Por muitos anos, manifestantes anti-guerra organizaram uma vigília de protesto em frente à sede da SOA, na base militar de Fort Benning, perto de Columbus, na Geórgia.
O líder desses protestos, padre Roy Bourgeois, descreveu como “uma escola de combate”. Ele disse:
“A maioria dos cursos gira em torno do que eles chamam de guerra de contrainsurgência. Quem são os insurgentes? Temos que fazer essa pergunta. Eles são os pobres. São as pessoas na América Latina que pedem reformas. São os camponeses sem terra, que têm fome. São trabalhadores da saúde, defensores dos direitos humanos, organizadores sindicais, são eles que se transformam em insurgentes, são vistos como inimigos. E são eles que se tornam os objetivos daqueles que aprendem suas lições na Escola das Américas”.
Bourgeois foi deportado da Bolívia em 1977, quando falou contra os abusos dos direitos humanos do general Hugo Banzer, um ditador de direita que chegou ao poder através de um golpe apoiado pelos EUA, derrubando um governo de esquerda. A história se repete hoje, quando os herdeiros ideológicos de Banzer expulsam outro líder socialista do poder utilizando-se de táticas de desestabilização testadas pelo tempo.
Nos áudios vazados recentemente, os líderes do golpe discutem planos para queimar prédios do governo, fazer com que sindicatos pelegos realizem greves, bem como outras táticas, todas diretamente do manual da CIA.
Também foi mencionado que a tentativa de golpe seria apoiada por vários grupos evangélicos, além do presidente colombiano Iván Duque, do ex-presidente colombiano Álvaro Uribe e, em particular, pelo presidente neofascista do Brasil, Jair Bolsonaro.
Os conspiradores também mencionam o forte apoio dos senadores de direita norte-americanos Bob Menéndez, Ted Cruz e Marco Rubio, que, segundo se diz, influenciam o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em relação à política externa do país no Hemisfério Ocidental.
Adidos militares e policiais em Washington DC: um terreno fértil para a criação de redes de inteligência dos EUA

Com o aumento das tensões nas últimas semanas, foi o comandante-geral da polícia boliviana, Vladimir Yuri Calderón Mariscal, que quebrou o impasse ao levar, em 9 de novembro, grande parte da força policial à rebelião (em inglês), exatamente na véspera da renúncia forçada de Morales.
Em 2018, Calderón Mariscal atuou como Presidente APALA, com sede em Washington DC.
A APALA já foi descrita como um programa de “segurança multidimensional” que trabalha para construir relacionamentos e conexões entre as autoridades dos EUA e policiais de muitos dos membros da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Hoje, a APALA hospeda agregados policiais de 10 países: Brasil, Bolívia, Colômbia, Chile, Equador, El Salvador, Panamá, Peru, México e República Dominicana.
De acordo com sua página no Facebook, o grupo “foi criado com o objetivo de gerar, promover e fortalecer os laços de solidariedade, amizade, cooperação e apoio entre seus membros e suas famílias por meio de atividades sociais e culturais, que permitem produzir um desenvolvimento integral”.
Afirma também que está facilitando a “integração e o intercâmbio das instituições policiais que o compõem, além de promover o intercâmbio de experiências bem-sucedidas desenvolvidas pelas diferentes forças policiais da América Latina”.

Uma organização misteriosa, a APALA fechou na web o sítio apalausa.com e não atende telefonemas. Funciona de alguma maneira como um braço das agências federais dos EUA. Sua plataforma de mídia social e agora o site desaparecido mostram inúmeras reuniões e fotos de funcionários e participantes da APALA, junto ao FBI, DEA, ICE (a agência de imigração) e outras autoridades americanas.
Como Philip Agee explicou em seu livro Inside the Company, a CIA costuma usar outras agências governamentais, como o FBI e a USAID, além de várias organizações de fachada para realizar atividades clandestinas sem deixar impressões digitais.
Um dos principais membros locais da APALA é Alex Zunca, um policial de Baltimore, diretor de assuntos internacionais da Associação Nacional de Aplicação da Lei Hispânica, com sede em Washington.
O endereço da APALA listado em seu site agora extinto é o mesmo endereço da embaixada do México em Washington, DC. Aparentemente, o grupo ficou fora embaixada do México pelo menos entre 2017 e 2018, quando seu site estava ativo durante a administração do ex-presidente mexicano amigo dos EUA, Enrique Peña Nieto.
Curiosamente, um colega de Calderón Mariscal e também um ex-presidente da APALA é um Ministro Associado da Polícia Federal do México chamado, Nicolás González Perrin.
Ele pode ser visto, na foto ao lado, sentado ao lado de uma bandeira nacional mexicana e um boné do FBI.
Em uma entrevista de 2017 ao Washington Hispanic, um jornal espanhol de Washington, González Perrin afirmou “que a APALA mantém reuniões, permanentemente, com as mais importantes agências federais dos Estados Unidos”, da INTERPOL à DEA, e ICE e o FBI, que trabalham conosco, com base em necessidades mútuas”.
Outro participante importante da APALA é Héctor Iván Mejía Velásquez, ex-comissário geral da Polícia Nacional de Honduras, que liderou operações brutais (em inglês) contra manifestantes em seu próprio país e publica regularmente artigos contra a esquerda em suas redes sociais.
As ligações para o contato público da APALA, Álvaro Andrade Sejas, não foram atendidas. Minhas mensagens para o número dele, localizado em Rockville, Maryland, foram diretamente para um correio de voz que dizia ser restrito.
A APALA, cuja página do Facebook parece ser carregada por Andrade, também trabalhou com outros policiais bolivianos, como a outra adida policial, Heroldina Henao.
A outra importante autoridade que ajudou a executar o golpe de 10 de novembro é o general Williams Kaliman, atual chefe do exército boliviano [deixou o comando logo após o golpe]. Ele serviu como adido militar na embaixada de seu país em 2013. Uma década antes (como mencionado anteriormente), ele participou do curso da Escola das Américas. Pouco se sabe sobre sua estadia nos Estados Unidos.
Em momentos diferentes, tanto Kaliman quanto Calderón Mariscal parecem ter sido leais ou fingiram lealdade ao governo constitucional, mas efetivamente se separaram ou foram convencidos a levar a cabo o golpe militar.
Por sua parte, o presidente deposto Evo Morales disse que um membro de sua própria equipe de segurança recebeu a oferta de US$ 50.000 para traí-lo.
O golpe de Estado de 10 de novembro não veio do nada. Os eventos ocorridos na Bolívia estão intimamente relacionados aos esforços dos Estados Unidos de influenciar forças militares e policiais no exterior por meio de programas como a Escola das Américas e a APALA.
Enquanto o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, comemora um “momento significativo para a democracia no Hemisfério Ocidental”, os bolivianos estão subitamente sob o controle do regime militar de fato.
Autor: Jeb Sprague, pesquisador associado da Universidade da Califórnia em Riverside e lecionou anteriormente na UVA e UCSB. Ele é o autor de “Globalizando o Caribe: economia política, mudança social e a classe capitalista transnacional” (Temple University Press, 2019), “Paramilitarismo e o assalto à democracia no Haiti” (Monthly Review Press, 2012), e é o editor de “Globalização e capitalismo transnacional na Ásia e Oceania” (Routledge, 2016). Ele é co-fundador da Rede de Estudos Críticos do Capitalismo Global. Visite o blog dele.