A situação atual, escreveu o senador petista Lindberg de Farias em artigo publicado na revista Carta Capital, “no essencial [é] pior que a velha privatização praticada no governo FHC. Naquela época, havia ao menos um rigoroso processo, com etapas definidas em lei aprovada no Congresso Nacional, que determinava procedimentos e permitia algum debate na sociedade. As empresas eram arrematadas em leilão na bolsa de valores, em frente às câmaras de televisão.
Atualmente, a estratégia de privatização da Petrobras obedece a duas táticas complementares: a privatização de empresas subsidiárias (a apelidada política de “desinvestimento”) e a venda de blocos de exploração e extração de petróleo (os chamados “ativos”)”.
Para entender um pouco dessa mistura de privatização fragmentada e terceirização, é interessante olhar para a tragédia da P-36.
As personagens não são muito distintas: FHC, Serra, Pedro Parente e Zylbersztayn, todas ligadas ao PSDB e, claro, com o apoio do PMDB. Os três primeiros foram ativos participantes do Golpe de 2016. Zylbersztayn, desde 2002, cuida de sua DZ Negócios com Energia, sem se omitir de manifestações pela imprensa contra o modelo de exploração de petróleo adotado nos governos Lula e Dilma.
Pedro Pullen Parente é figura de destaque do partido: entre 1999 e 2002, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, foi secretário executivo do Ministério da Fazenda e ocupou três ministérios (Casa Civil, Planejamento e Minas e Energia). Na época, ficou conhecido como “ministro do apagão”, por ter coordenado a equipe que cuidou, ou não, da crise de energia.
Mesmo depois de quatro derrotas consecutivas nas disputas presidenciais, em que teve seu programa de governo rejeitado pela maioria dos brasileiros, o PSDB votou ao poder pelas asas do Golpe de 2016 e regressou ao comando da Petrobras.
Agora Parente foi escalado para “apagar” a Petrobras. Pelo menos esse é o sentimento de 16 parlamentares que, em fevereiro de 2017, apresentaram a Rodrigo Janot, Procurador Geral da República, pedido de investigação sobre a transferência do controle de subsidiárias e a venda de outros ativos da empresa. Chamada de privatização "branca" pelos parlamentares, a atuação de Parente confirma o compromisso histórico do PSDB com a desestruturação da estatal e sua venda fragmentada.
P-36, o fantasma liberal
Na madrugada de quinta-feira, 15 de março de 2001, um grande estrondo acordou os trabalhadores da P-36, no campo do Roncador. Toda a plataforma tremeu e a brigada de incêndio foi acionada para verificar a coluna de popa-boreste. Era somente o início de uma tragédia anunciada. Menos de um semana depois, na quarta-feira, dia 21, às 10h45, a plataforma afundava os 1.350 metros daquele ponto do oceano e levava junto 9 corpos dos 11 petroleiros mortos no acidente.
O desastre da P-36 começou a ser construído muito antes. Os ataques que o modelo neoliberal, desde Collor, fez ao sistema Petrobras culminou com a perda das 11 vidas dos trabalhadores e muitas outras tristezas para os brasileiros.
Primeiro Collor e Itamar
Em 1990, logo após à sua posse, Fernando Collor anunciou a extinção das duas maiores subsidiárias da Petrobras: a Interbrás e a Petromisa. Em 1992, com o Programa Nacional de Desestatização, seguiu a privatização: uma a uma, as companhias controladas pela Petroquisa foram vendidas. A subsidiária, que congregava 36 empresas do setor, após o desmonte promovido por Collor, passou a ter participação em apenas 15% do mercado.
Itamar Franco, ao assumir o governo, deu sequência, em 1993, ao Programa de Desestatização. Foi a vez da Petrofertil, subsidiária que controlava cinco grandes empresas do setor de fertilizantes. A luta da sociedade garantiu a manutenção da Nitrofertil, que foi incorporada à Petrobras como Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados (FAFEN). Itamar Franco entregou todas as demais empresas da Petrofertil.
Depois FHC e Serra
Em 1995, Fernando Henrique Cardoso tomou posse e deu sequência ás privatizações. Enviou ao Congresso um projeto de emenda constitucional que visava acabar com o monopólio da Petrobras sobre a exploração e produção de petróleo.
O governo tucano usava e abusava da máquina do Estado para desmobilizar os trabalhadores e a sociedade organizada. Em junho de 1995, uma vergonhosa compra de votos e distribuição de cargos, garantiu a FHC a quebra do monopólio na Câmara dos Deputados. Em novembro, foi a vez do Senado se render. Em julho de 1997 o Congresso Nacional aprovou a Lei 9.478 que, além de acabar com o monopólio da Petrobras, abriu o mercado e flexibilizou a empresa, criando as condições para a sua privatização.
A nova lei passou a regulamentar o setor e criou a Agência Nacional de Petróleo (ANP). No início de 1998 surgiu no cenário nacional uma figura sinistra, que, por muito tempo rondou, como abutre, a Petrobras: David Zylbersztayn. Então genro de FHC, foi indicado para a diretoria-geral da ANP após ter sido secretário de energia de Covas, no governo paulista.
Uma campanha que não tem fim
O projeto de desmonte e sucateamento da Petrobras ganhou, assim, uma personagem importante, além de Serra e FHC.
Em junho de 1999, o governo anunciou leilão que entregaria às multinacionais 27 áreas produtoras de petróleo. Era a primeira das cinco rodadas de licitação de blocos exploratórios realizadas pela ANP, beneficiando mais de 50 empresas, das quais apenas dez com capital nacional. A própria Petrobras teve que recorrer aos leilões para recomprar as áreas que ela mesma havia descoberto e mapeado.
Os ataques do governo não pararam. A Lei do Petróleo, criada por FHC, incentivava o esfacelamento da Petrobras em várias subsidiárias, permitindo também associações, majoritárias ou minoritárias, com outras empresas. O governo criou a Transpetro e a Gaspetro e começou a negociar 30% da Refinaria Alberto Pasqualine (Refap) por meio de uma lesiva troca de ativos com a multinacional Repsol/YPF.
Em 26 de outubro de 2000, a Petrobras iniciou o seu programa de reestruturação, criando 40 unidades de negócios. Ainda em 2000, logo após o Natal, os tucanos deixaram a nação estarrecida ao anunciar a mudança do logo da empresa para Petrobrax. A sociedade reagiu indignada e o golpe Petrobrax durou menos de 48 horas.
A preparação da privatização ainda incluía ações bastante claras de sucateamento da empresa. Nos governos FHC, com Serra e Zylbersztayn, a Petrobras ficou por quase uma década sem realizar concurso público e reduziu seu contingente de 64 mil para menos de 35 mil trabalhadores. Muitos precipitaram sua aposentadoria e outros aceitaram o Programa de Demissão Voluntária (PDV), receosos de perdas de direitos com a privatização.
E foi assim que os petroleiros foram sendo substituídos por trabalhadores terceirizados e nem tão bem preparados para o trabalho.
No dia da explosão, a P-36 abrigava 175 trabalhadores, 50 funcionários da Petrobras e 125 terceirizados - apesar da plataforma só ter acomodações e condições de segurança para 115 pessoas. Os 11 que perderam a vida eram membros da brigada de emergência ou do quadro efetivo da empresa.
Eis o caldo de cultura que levou em 2001 a P-36 para o fundo do mar.
De forma velada, esse debate esteve presente em todas as disputas eleitorais que sucederam a derrota de Serra em 2002.
Mas o PSDB jamais conseguiu apagar a tatuagem de privatista construída ao longa de sua história. Sempre que possível, os ataques à Petrobras voltavam à cena.
A corrupção na Petrobras, que não teve início nos governos do PT, mas que teve a cumplicidade de lideranças do partido, foi o "achado" para criminalizar a esquerda e retomar o caminho da privatização do Estado brasileiro.
Como jamais conseguiu apoio popular para continuar a política de entrega do patrimônio nacional, o golpe de 2016 foi a forma encontrada para chegar ao poder sem voto.
Por traz dos ataques contantes à Petrobras, estão interesses poderosos que pretendem retomar o caminho que levou a P-36 ao fundo mar.
Na campanha de 2010, quando Serra era o candidato a presidente pelo partido, sua assessoria não conseguiu esconder suas intenções. David Zylbersztayn, aquele mesmo que foi genro de FHC, presidente da ANP e um dos artífices da desagregação da Petrobras, assessor técnico para a área de energia do PSDB e do candidato José Serra, não se conteve. Em reportagem do jornal Valor Econômico, assinada por Juliana Ennes em 5/10/2010, disse que aconselhou o candidato a manter o regime de concessão de petróleo. Insiste que o sistema é melhor do que o sistema proposto no governo Lula. Segundo ele, as reservas do pré-sal podem ser produzidas pela iniciativa privada e por empresas estrangeiras, desde que o governo receba dinheiro por isso.
David Zylbersztayn foi secretário de energia durante o primeiro mandato (1995-1998) do governador paulista Mário Covas, coordenando o plano de reestruturação e privatização de empresas energéticas do estado. Em janeiro de 1998 foi o primeiro diretor-geral da recém-criada ANP e voltou ao cargo em janeiro de 2000.
Liderou a quebra do monopólio da Petrobras na exploração do petróleo no Brasil, realizando o primeiro leilão de áreas de exploração aberto à iniciativa privada, nos dias 15 e 16 de junho de 1999.
Quando Dilma, na campanha de 2010, denunciou Zylbersztayn, ele apressou-se a desmentir que assessorava Serra.
Nas últimas eleições, o candidato do PSDB, Aécio Neves, não precisou de assessores para retomar as ideias tucanas para a Petrobras. "Convidado pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) para falar a empresários fluminenses - talvez os mais próximos ao contexto da indústria do petróleo no país -, o senador acenou com a possibilidade de retomar o modelo de concessões desenvolvido durante o governo Fernando Henrique Cardoso e que vigorou até 2008, quando o novo marco regulatório para o pré-sal começou a ser debatido", conforme publicou também o jornal Valor Econômico em matéria do dia 15 de abril deste ano: "Aécio sugere retomar modelo de concessões na Petrobras".
As multinacionais e a promessa do PSDB
A empresa ou o consórcio contratado pela União no modelo de concessão fica com todo o risco da exploração – até o de não encontrar o petróleo ou gás. As empresas são contratadas em licitações públicas. Na concessão, o petróleo extraído é propriedade da empresa, que tem total autonomia sobre sua exploração. O regime de concessão é usado normalmente pelos países nas áreas onde a presença do petróleo é incerta.
No modelo de partilha, a União e a empresa ou o consórcio contratado dividem o petróleo e o gás extraídos na área específica. O regime de partilha é comumente utilizado em vários países nas áreas detentoras de grandes reservas, como é o caso do pré-sal. O petróleo ou gás na partilha é propriedade da União. Descontados os investimentos feitos pela empresa para extrair o óleo, a partilha acontece com o óleo excedente.
A propriedade da União sobre o petróleo e a possibilidade de se entregar diretamente à Petrobras a exploração de petróleo no pré-sal incomoda as grandes multinacionais do petróleo e seus representantes no país.
“A indústria de petróleo vai conseguir combater a lei do pré-sal?”. Este é o título de um extenso telegrama enviado pelo consulado americano no Rio de Janeiro a Washington, em 2 de dezembro de 2009. A informação consta de texto da revista Carta Capital, assinado por Natalia Vianna e publicado em 13 de dezembro de 2010: "Wikileaks: PSDB prometeu a americanos rever lei do pré-sal". Outros telegramas abordam também o tema. O de 27 de agosto de 2009 mostra que a exclusividade da Petrobras na exploração é vista como um “anátema” [reprovação severa] pela indústria. Explica Carta Capital: "É que, para o pré-sal, o governo brasileiro mudou o sistema de exploração. As exploradoras não terão, como em outros locais, a concessão dos campos de petróleo, sendo “donas” do petróleo por um determinado tempo. No pré-sal elas terão que seguir um modelo de partilha, entregando pelo menos 30% à União. Além disso, a Petrobras será a operadora exclusiva."
Os documentos revelam a insatisfação das petroleiras com a lei de exploração aprovada pelo Congresso – em especial, com o fato de que a Petrobras seja a única operadora – e como elas atuaram fortemente no Senado para mudar a lei. Segundo Patrícia Padral, então diretora da americana Chevron no Brasil, diz um dos textos revelados pelo Wikileaks, o tucano José Serra teria prometido mudar as regras se fosse eleito presidente.
O Golpe de 2016 sopra ventos liberais sobre o Brasil. Aprovada a terceirização e iniciado o desmonte da Petrobras é de se esperar que eventos como o da P-36 passem a frequentar novamente o noticiário nacional. E poderemos ter P-36 em diversos setores da economia. A terceirização, como demonstrado na Petrobras, reduz direitos dos trabalhadores e a qualidade da mão de obra, sujeita a grande rotatividade.
Leia mais em:
Aécio sugere retomar o modelo de concessões na Petrobras
Mais informações:
No blog Recordar é Viver, com texto republicado de Hélio Fernandes, da Tribuna da Impresa: FHC, algoz da Petrobras.
No sítio Geopolítica do Petróleo, é possível encontrar diversos recortes de jornais sobre o assunto. E no Brasil247 há um artigo do Emiliano José que compara a Petrobras de 2001 com a de 2012: Barulho privatizante contra a Petrobras.