Sexta, 15 Fevereiro 2019 18:43

Quem é o encarregado de “restaurar a democracia” na Venezuela?

Elliott Abrams foi nomeado pela Casa Branca como enviado dos Estados Unidos para “restaurar a democracia” pelo secretário de Estado Mike Pompeo, ex-chefe da Agência Central de Inteligência.

Na apresentação de Abrams à imprensa, o secretário de Estado afirmou que a Casa Branca “acredita que todos os países devem tomar medidas para restaurar a democracia na Venezuela, e não para suportar essa ditadura cruel que causou tanta devastação ao povo venezuelano”.

Essa é uma referência à intenção de Pompeo de pressionar o Uruguai e o México para que reconheçam Juan Guaidó como “presidente interino” da República Bolivariana. Segundo o ex-chefe da CIA, Abrams “será um verdadeiro trunfo em nossa missão de ajudar o povo venezuelano a restaurar plenamente a democracia e a prosperidade do país”.

Na sua vez, Abrams destacou: “Esta semana completam 30 anos que deixei este edifício, foi a última vez que trabalhei aqui. Portanto, é muito bom estar de volta. Esta crise na Venezuela é profunda, difícil e perigosa. Vamos tabalhar sobre ela”.

Mas quem é Elliott Abrams

A carreira do novo “enviado especial” é bastante demonstrativa, já que atuou em diversas funções durante o governo Ronald Reagan. Entre elas, como Secretário de Estado Adjunto para Assuntos da Organização Internacional, Subsecretário de Estado para os Direitos Humanos e Assuntos Humanitários e Secretário de Estado Adjunto para Assuntos Interamericanos.

A partir dessa posição, Abrams fez parte do círculo de funcionários, chamado pelo acadêmico Andrew Bacevich de cartel da “Pax Americana”, que após a derrota do Vietnã tentou recuperar o “espírito guerreiro” nos Estados Unidos, com ações de força em seu “quintal”, a América Latina, com um novo formato de intervenções secretas e diretas durante a década de 1980.

Esse cartel era integrado por John Bolton, diretor do Conselho de Segurança Nacional, Oliver North, alta patente militar encarregado da operação Irã-Contras, Roger Noriega, ex-diretor da Agência para o Desenvolvimento Internacional, do Departamento de Estado (USAID), e John Negroponte, então embaixador dos EUA em Honduras, entre muitos outros altos funcionários. O cartel definiu um formato de intervenção que tecnicamente baipassava, contornava as restrições impostas pelo Congresso dos EUA, em decorrência da Síndrome do Vietnã, para dar início a guerras diretas contra países como a Nicarágua.

Como parte dessa camarilha, Abrams foi um operador importante no escândalo Irã-Contra, revelado por jornalistas como Gary Weeb e Robert Parry, entre outros, onde se conheceu o modo de financiamento dos Contras da Nicarágua por meio da venda de armas ao Irã e drogas do Cartel de Medellín nas favelas de Los Angeles.

Devido a esse escândalo, Abrams se declarou culpado de ter ocultado informações após a investigação da Comissão Kerry no Congresso dos Estados Unidos. Finalmente, George Bush pai concedeu-lhe o perdão quando assumiu a presidência dos Estados Unidos.

Consequências e objetivos das políticas apoiadas por Abrams

Um dos elementos centrais da estratégia desta camarilha foi desenvolver importantes operações de relações públicas para manipular a opinião pública norte-americana em favor dos Contras da Nicarágua, as guerras sujas contra guerrilheiros em El Salvador e na Guatemala e, finalmente, a invasão do Panamá para capturar o ditador Manuel Noriega, ex-aliado de Washington.

Outro ponto dessa estratégia foi o financiamento e apoio a grupos de extermínio paramilitares nos países que sofreram intervenção, principalmente na Guatemala, El Salvador e Nicarágua, para executar secretamente tarefas anteriormente entregues às forças armadas regulares do Pentágono. Isso explica importantes massacres de povos indígenas, políticos da oposição e habitantes de áreas controladas pelos guerrilheiros salvadorenhos e guatemaltecos.

Elliot Abrahams, publicada em Missión Verdad
Elliot Abrahams se declarou culpado
de haver ocultado informações no escândalo irã-contras

Estima-se em mais de 300 mil mortos como consequências somente das guerras em El Salvador e Guatemala. Um exemplo demonstrativo do comportamento, suportado por esta integrada por Abrams, é o massacre de El Mozote. Membros do exército de El Salvador entraram em uma vila localizada no estado de Morazán, e assassinaram a maioria de seus habitantes, com especial fúria contra mulheres e crianças para aterrorizar o resto das aldeias da área controlada pela Frente de Libertação Nacional Farabundo Marti (FMLN) durante os anos 1980.

Também membro do influente Conselho de Relações Exteriores, fundado por David Rockefeller, Abrams como um membro dessa camarilha acompanhado as guerras no Iraque e no Afeganistão como assessor de segurança nacional durante a administração de George Bush Jr., com John Bolton, John Negroponte e Roger Noriega, entre outros.

Hoje, novamente na Casa Branca, é mais do que evidente que eles pretendem recuperar o “espírito de guerra” nos Estados Unidos com uma "ação muscular" em seu quintal: a América Latina. Esse plano, no entanto, encontra um contexto geopolítico muito diferente daquele dos anos 1980, quando os Estados Unidos estavam perto de vencer a Guerra Fria contra a União

Soviética. Atualmente, a China e a Rússia estão em uma fase de ascensão no mundo, enquanto Washington está em um estágio de declínio de sua hegemonia global.

Talvez a declaração de que a melhor define a camarilha de Abrams, tenha vindo de um alto funcionário da Administração de George Bush Jr., quando perguntado pelo jornalista Ron Suskind, afirmou em 2004: “Agora, nós somos um império, e quando agimos, criamos nossa própria realidade. E enquanto vocês estiverem estudando essa realidade - judiciosamente, como certamente farão - nós atuaremos novamente, criando outras novas realidades, que você também poderão estudar, e é assim que as coisas serão resolvidas. Nós somos os atores da história e vocês, todos vocês, ficarão apenas com o que nós fazemos".

Segundo Greg Grandin, professor de história na Universidade de Nova York e autor de El Taller del Imperio: Latinoamérica, Estados Unidos y el nuevo imperialismo (A Oficina do Império: América Latina, Estados Unidos e o novo imperialismo), essas “criações da realidade”, em geral, são experimentadas na América Latina antes de serem usadas em outros cenários de conflito global. Nesse sentido, por algum tempo tem sido evidente e grosseiro, como os Estados Unidos estão testando um novo formato de intervenção, onde se pretende determinar um “modelo venezuelano”.

Texto publicado em 28 de janeiro de 2019 no Missión Verdad.

 

Última modificação em Segunda, 09 Setembro 2019 18:54

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