Por que ainda não existe um Estado palestino, 66 anos depois de as Nações Unidas proporem a divisão da Palestina entre árabes e judeus? Há uma abundância de respostas óbvias, incluindo a intransigência israelense, desunião palestina, a indiferença europeia, o cinismo insensível da maioria dos governos árabes. Hoje, como secretário de Estado, John Kerry, tenta, em vão, reiniciar o chamado processo de paz. O Estado palestino parece mais distante do que nunca.
Em seu novo livro Brokers of Deceit (somente em inglês), o historiador da Universidade de Columbia, Rashid Khalidi, destaca a outra principal razão pela qual as aspirações nacionais palestinas estão sendo frustradas: o constante papel pernicioso dos Estados Unidos. Enquanto finge ser um mediador honesto, os Estados Unidos têm uma ação ativa contra a criação de um Estado palestino ou perseguem esse objetivo de forma tendenciosa e incompetente. Assim, a incapacidade de alcançar uma Palestina independente não deve surpreender-nos: a maioria dos líderes de Israel tem sido totalmente contra o Estado Palestino e os líderes dos EUA têm apoiado Israel em cada momento.
Khalidi concentra-se em três episódios reveladores, abrangendo cerca de trinta anos de diplomacia no Oriente Médio. O primeiro episódio é o Plano de Reagan de 1982, uma iniciativa natimorta dos EUA que surgiu após a invasão malfadada de Israel no Líbano. A proposta de Reagan opunha-se ao controle israelense permanente sobre a Cisjordânia e pedia a suspensão da construção dos assentamentos israelenses, mas seu plano também descartou um Estado independente para os palestinos. Khalidi ressalta uma estimativa da CIA que previa corretamente a rejeição rápida e firme de Israel, uma reação que efetivamente afundou toda a iniciativa. No entanto, Israel não foi penalizado por ignorar os desejos de seu patrono e as relações EUA-Israel expandiram-se significativamente durante o resto do governo de Reagan.
O segundo episódio é a conferência de paz de Madri, em outubro de 1991. Muito fortelecido após a Guerra do Golfo de 1991, o presidente George H. W. Bush [o pai] e o secretário de Estado James Baker pressionaram o governo de [Yitzhak] Shamir para comparecer à conferência e também conseguiram persuadi-lo a permitir que vários palestinos participassem como parte de uma delegação conjunta com a Jordânia. No entanto, Israel insistiu que as discussões entre israelenses e palestinos deveriam limitar-se a palestras sobre "acordos de auto-governo interino" - não trataria de soberania nem de nenhuma das questões importantes para os palestinos – um constrangimento que reflete a permanente restrição de Israel às aspirações palestinas e o desejo de manter a Cisjordânia ocupada permanentemente.
E como Khalidi deixa claro, Madrid era uma abertura que não levava a lugar nenhum. Então, como agora, o objetivo central de Israel era o de postergar as negociações pelo maior tempo possível para que a implantação dos assentamentos continuasse a "criar fatos consumados". O número de colonos mais do que duplicou entre 1993 e 2001, enquanto uma vasta rede de postos de controle, barreiras e estradas de desvio dividiram a Cisjordânia. Todos os governos israelenses seguiram essa política sob escassos protestos de Washington e têm continuado assim ininterruptamente desde então.
O terceiro episódio, e o mais doloroso de ler, é a humilhante derrota de Barack Obama nas mãos do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, e do lobby de Israel nos Estados Unidos. Depois de declarar em seu discurso no Cairo, em junho de 2009, que "dois Estados para dois povos" era "do interesse de Israel, do interesse da Palestina, do interesse dos Estados Unidos e do interesse do mundo" e de ter exigido que Israel suspendesse a expansão dos assentamentos enquanto as negociações continuassem, Obama deparou-se com um desafiador Netanyahu e com pressão do lobby israelense quando retornou para casa. O presidente logo recuou, abandonando a insistência de congelar os assentamentos, despachando novos e generosos pacotes de ajuda a Israel, e manteve a política dos EUA de proteger Israel de críticas nas Nações Unidas e dos mais amplos setores da comunidade internacional. Como a maioria de seus antecessores, afinal, o líder do país mais poderoso do mundo foi incapaz de avançar na causa da paz e da justiça ou de qualquer outra alternativa relevante.
O relato de Khalidi mostra que estes episódios (e muitos outros) não são o resultado de miopia estratégica, nem de uma leitura errada de correntes políticas na região, nem de uma animosidade profunda contra o povo palestino. Pelo contrário, a continuidade deprimente da política dos EUA é principalmente devido à profunda influência do Comitê Americano de Assuntos Públicos de Israel e de outras organizações-chave no lobby israelense.
A influência do lobby israelense tem colocado limites rígidos sobre a alavancagem que os presidentes dos Estados Unidos poderiam exercer, minando, assim, a capacidade de Washington agir como um mediador eficaz. No início da década de 1990, de fato, a gestão do processo de paz estava firmemente nas mãos de funcionários formados nas estruturas do lobby israelense – como Dennis Ross e Martin Indyk – garantindo, assim, que não haveria disparidade entre as posições de Israel e dos Estados Unidos.
De fato, Khalidi descreve como as autoridades dos EUA rotineiramente aprimoram suas propostas com Israel antes de apresentá-las aos negociadores palestinos – um procedimento que remonta ao tempo da administração Ford [Gerald, presidente de 1974 a 1977] – e, ocasionalmente, tomam posições mais extremadas do que aquelas dos seus colegas israelenses. Ao agir como "advogado de Israel", em vez de um mediador honesto, os Estados Unidos garantiram que o processo de paz de Oslo terminasse em um vergonhoso fracasso.
Khalidi conclui conclamando os palestinos a abandonarem o desacreditado roteiro Camp David / Madrid / Oslo e a basearem sua campanha pela autodeterminação em novos fundamentos: nas resoluções* 242 do Conselho de Segurança da ONU e 181 e 194 da Assembléia Geral das Nações Unidas. Não pode haver dúvidas de que o prazo de validade de Oslo já venceu, mas o mesmo é provavelmente verdade também para a solução dos dois Estados. Os dois povos têm mais sofrimento pela frente, quando tudo poderia ter sido muito bem evitado se Washington seguisse uma abordagem mais inteligente e mais comprometida. Brokers of Deceit é uma grave acusação que revela o papel ignóbil dos Estados Unidos nessa tragédia contínua. E a história vai julgar os líderes dos EUA duramente por suas estratégias equivocadas e sua política moralmente duvidosa.
*Resoluções:
242 do Conselho de Segurança da ONU, de 22 de novembro 1967, pede a retirada de Israel dos territórios ocupados na Guerra dos Seis Dias e “o reconhecimento da soberania, integridade territorial e independência política de todos os Estados da região e seu direito a viver em paz”.
181 da Assembleia Geral a ONU, de 29 de novembro 1947, aceita, apesar da oposição da Liga Árabe e dos palestinos, a criação de dois Estados, um judeu e um árabe, no antigo protetorado britânico da Palestina, com Jerusalém sob mandato internacional.
194 da Assembleia Geral da ONU, de 11 de dezembro 1948, estabelece que os refugiados têm direito a retornar a suas casas, agora em território de Israel, ou a receber uma indenização caso não desejarem voltar.
Texto de Stephen Walt, professor de relações internacionais na Kennedy School of Government da Universidade de Harvard e co-autor do livro The Israel Lobby e Política Externa dos EUA. Está publicado no The Journal of Palestine Studies - “a mais antiga e respeitada publicação no idioma inglês dedicada exclusivamente aos assuntos palestinos e ao conflito árabe-israelense”. The Journal of Palestine Studies é uma publicação do Institute for Palestine Studies.
O livro (em inglês, Brokers of Deceit: How the U.S. Has Undermined Peace in the Middle East) foi escrito por Rashid Khalidi (foto), professor de história do Oriente Médio da Universidade Columbia (EUA) e editor do Journal of Palestine Studies.